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Comentários / Tribunal de Justiça - São Paulo - Escrevente Técnico Judiciário - Vunesp - 2013 - Prova Objetiva


Cliente paulista, garçom carioca

Veja, aí estão eles, a bailar seu diabólico “pas de deux” ( *) : sentado, ao fundo do restaurante, o cliente paulista acena, assovia, agita os braços num agônico polichinelo; encostado à parede, marmóreo e impassível, o garçom carioca o ignora com redobrada atenção. O paulista estrebucha: “Amigô?!”, “Chefê?!”, “Parceirô?!”; o garçom boceja, tira um fiapo do ombro, olha pro lustre.

Eu disse “cliente paulista”, percebo a redundância: o paulista é sempre cliente. Sem querer estereotipar, mas já estereotipando: trata-se de um ser cujas interações sociais terminam, 99% das vezes, diante da pergunta “débito ou crédito?”.[...] Como pode ele entender que o fato de estar pagando não garantirá a atenção do garçom carioca? Como pode o ignóbil paulista, nascido e criado na crua batalha entre burgueses e proletários, compreender o discreto charme da aristocracia?

Sim, meu caro paulista: o garçom carioca é antes de tudo um nobre. Um antigo membro da corte que esconde, por trás da carapinha entediada, do descaso e da gravata borboleta, saudades do imperador. [...] Se deixou de bajular os príncipes e princesas do século 19, passou a servir reis e rainhas do 20: levou gim tônicas para Vinicius e caipirinhas para Sinatra, uísques para Tom e leites para Nelson, recebeu gordas gorjetas de Orson Welles e autógrafos de Rockfeller; ainda hoje fala de futebol com Roberto Carlos e ouve conselhos de João Gilberto. Continua tão nobre quanto sempre foi, seu orgulho permanece intacto.

Até que chega esse paulista, esse homem bidimensional e sem poesia, de camisa polo, meia soquete e sapatênis, achando que o jacarezinho de sua Lacoste é um crachá universal, capaz de abrir todas as portas. Ah, paulishhhhta otááário, nenhum emblema preencherá o vazio que carregas no peito - pensa o garçom, antes de conduzi-lo à última mesa do restaurante, a caminho do banheiro, e ali esquecê-lo para todo o sempre.

Veja, veja como ele se debate, como se debaterá amanhã, depois de amanhã e até a Quarta-Feira de Cinzas, maldizendo a Guanabara, saudoso das várzeas do Tietê, onde a desigualdade é tão mais organizada: “Ô, companheirô, faz meia hora que eu cheguei, dava pra ver um cardápio?!”. Acalme-se, conterrâneo. Acostume-se com sua existência plebeia. O garçom carioca não está aí para servi-lo, você é que foi ao restaurante para homenageá-lo.

(Antonio Prata, Cliente paulista, garçom carioca. Folha de S.Paulo, 06.02.2013)

(*) Um tipo de coreografia, de dança.

Questão:

Leia o texto, para responder à(s) questão(ões) seguinte(s).

Assinale a alternativa contendo passagem em que o autor simula dialogar com o leitor.

Resposta errada
a)

Acalme-se, conterrâneo. Acostume-se com sua existência plebeia.

Resposta errada
b)

Ô, companheiro, faz meia hora que eu cheguei...

Resposta correta
c)

Veja, aí estão eles, a bailar seu diabólico "“pas de deux"”.

Resposta errada
d)

Sim, meu caro paulista...

Resposta errada
e)

Ah, paulishhhhta otááário...

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