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Comentários / LIQUIGÁS - Profissional Júnior - Direito - Advogado - CESGRANRIO - 2013 - Prova Objetiva


Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim

            Conhece o vocábulo escardinchar? Qual o
        feminino de cupim? Qual o antônimo de póstumo?
        Como se chama o natural do Cairo? 
            O leitor que responder “não sei” a todas estas
5      perguntas não passará provavelmente em nenhuma
        prova de Português de nenhum concurso oficial.
        Mas, se isso pode servir de algum consolo à sua
        ignorância, receberá um abraço de felicitações deste
        modesto cronista, seu semelhante e seu irmão.
10        Porque a verdade é que eu também não sei.
         Você dirá, meu caro professor de Português, que
        eu não deveria confessar isso; que é uma vergonha
        para mim, que vivo de escrever, não conhecer o meu
        instrumento de trabalho, que é a língua.
15        Concordo. Confesso que escrevo de palpite,
        como outras pessoas tocam piano de ouvido. De
        vez em quando um leitor culto se irrita comigo e me
        manda um recorte de crônica anotado, apontando
        erros de Português. Um deles chegou a me passar um
20    telegrama, felicitando-me porque não encontrara, na
        minha crônica daquele dia, um só erro de Português;
        acrescentava que eu produzira uma “página de bom
        vernáculo, exemplar”. Tive vontade de responder:
        “Mera coincidência” — mas não o fiz para não
25    entristecer o homem.
            Espero que uma velhice tranquila — no hospital
        ou na cadeia, com seus longos ócios — me permita
        um dia estudar com toda calma a nossa língua, e
        me penitenciar dos abusos que tenho praticado
30    contra a sua pulcritude. (Sabem qual o superlativo
        de pulcro? Isto eu sei por acaso: pulquérrimo! Mas
        não é desanimador saber uma coisa dessas? Que
        me aconteceria se eu dissesse a uma bela dama: a
        senhora é pulquérrima? Eu poderia me queixar se o
35    seu marido me descesse a mão?)
            Alguém já me escreveu também — que eu sou
        um escoteiro ao contrário. “Cada dia você parece que
        tem de praticar a sua má ação — contra a língua.”
        Mas acho que isso é exagero.
40         Como também é exagero saber o que quer dizer
        escardinchar. Já estou mais perto dos cinquenta que
        dos quarenta; vivo de meu trabalho quase sempre
        honrado, gozo de boa saúde e estou até gordo
        demais, pensando em meter um regime no organismo
45     — e nunca soube o que fosse escardinchar. Espero
        que nunca, na minha vida, tenha escardinchado
        ninguém; se o fiz, mereço desculpas, pois nunca tive
        essa intenção.
            Vários problemas e algumas mulheres já me
50    tiraram o sono, mas não o feminino de cupim. Morrerei
        sem saber isso. E o pior é que não quero saber;
        nego-me terminantemente a saber, e, se o senhor é
        um desses cavalheiros que sabem qual é o feminino
        de cupim, tenha a bondade de não me cumprimentar.
55         Por que exigir essas coisas dos candidatos aos
        nossos cargos públicos? Por que fazer do estudo
        da língua portuguesa uma série de alçapões e
        adivinhas, como essas histórias que uma pessoa
        conta para “pegar” as outras? O habitante do Cairo
60    pode ser cairense, cairel, caireta, cairota ou cairiri —
        e a única utilidade de saber qual a palavra certa será
        para decifrar um problema de palavras cruzadas.
        Vocês não acham que nossos funcionários públicos
        já gastam uma parte excessiva do expediente
65    matando palavras cruzadas da Última Hora ou
        lendo o horóscopo e as histórias em quadrinhos de
        O Globo?
            No fundo o que esse tipo de gramático deseja
        é tornar a língua portuguesa odiosa; não alguma
70    coisa através da qual as pessoas se entendam, mas
        um instrumento de suplício e de opressão que ele,
        gramático, aplica sobre nós, os ignaros.
           Mas a mim é que não me escardincham assim,
        sem mais nem menos: não sou fêmea de cupim nem
75    antônimo de póstumo nenhum; e sou cachoeirense,
        de Cachoeiro, honradamente — de Cachoeiro de
        Itapemirim!

BRAGA, Rubem. Nascer no Cairo, ser fêmea de cupim. In: Ai de Ti, Copacabana. 11 ed.

Rio de Janeiro: Record, 1993. p. 159-161.

Questão:

Ao afirmar “se o senhor é um desses cavalheiros que sabem qual é o feminino de cupim, tenha a bondade de não me cumprimentar.” (L. 52-54), o autor do texto deixa evidente sua opinião sobre um certo tipo de comportamento com relação à língua portuguesa.

Essa opinião também aparece em:

Resposta errada
a)

“Eu poderia me queixar se o seu marido me descesse a mão?” (L. 34-35).

Resposta errada
b)

“Já estou mais perto dos cinquenta que dos quarenta;” (L. 41-42).

Resposta errada
c)

“Vários problemas e algumas mulheres já me tiraram o sono,” (L. 49-50).

Resposta errada
d)

“O habitante do Cairo pode ser cairense,” (L. 59-60).

Resposta correta
e)

“o que esse tipo de gramático deseja é tornar a língua portuguesa odiosa;” (L. 68-69).

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