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Comentários / Defensoria Pública do Estado - Tocantins - Assistente de Defensoria Pública - COPESE - 2012 - Prova Objetiva


Direito Penal deve dar alternativas em vez de respostas

1                 O célebre escritor francês Victor Hugo, em sua
           obra “Os Miseráveis”, conta-nos inesquecível e
           emocionante passagem:
 
5       “Jean Valjean, tendo servido durante 19 anos nas galés 
          (cinco por roubar um pão para sua irmã e seus sete
           sobrinhos passando fome, e mais 14 por inúmeras
           tentativas de fuga) acaba de ser libertado. Valjean é
           marginalizado por todos que encontra por ser um ex-
10       presidiário, sendo expulso de todas as estalagens. Ele
           iria dormir na rua, mas é recebido na casa do
           benevolente Bispo Myriel (conhecido como senhor 
           Benvindo), o Bispo de Digne. Mas em vez de se mostrar
           grato, rouba-lhe os talheres de prata durante a noite e
15       foge. Logo é preso e levado pelos policiais à presença
           de Benvindo. O Bispo salva-o alegando que a prata foi
           um presente e nessa altura dá-lhe dois castiçais de prata
           também, repreendendo-o por ter saído com tanta pressa 
           que esqueceu essas peças mais valiosas. Após esta 
20       demonstração de bondade, o bispo o ‘lembra’ da
           promessa (que Valjean não tem nenhuma lembrança de
           ter feito) de usar a prata para tornar-se um homem 
           honesto”.

25                 Sendo Jean Valjean rejeitado pela sociedade por 
           ser um ex-presidiário, o Bispo Myriel muda-lhe a vida. O
           personagem assume uma nova identidade para seguir 
           uma vida honesta, tornando-se proprietário de uma
           fábrica e prefeito. Ele adota e cria uma filha, salva uma
30       pessoa da morte e morre imaculado com uma idade
           avançada. 
           As tormentosas aflições da vida, a desordem e o
           embate entre indivíduos na sociedade devem receber
           solução mais refletida e profilática do que o 
35       encarceramento do ser humano nos porões de suas 
           sombrias masmorras.
                    Nosso ainda vigente Código de Processo Penal 
           de 1941, em seus artigos 386 e 387, bem resume a que
           se presta a intervenção judiciária na discussão da
40       infração penal: ou o juiz condena ou absolve o agente.
           Noutras palavras, a lei penal brasileira veda
           terminantemente outra solução para um processo penal.
           É vedado ao juiz promover a concórdia, resgatar a
           dignidade, afagar traumas ou acalentar o marginalizado.
45       O juiz do processo penal anda em trilhos que o
           escravizam, que o levam a lugar nenhum. Não deve,
           pela nossa lei penal, ousar o magistrado a pacificar o 
           conflito com o óbvio e o evidente. A evolução do sistema
           punitivo estatal deve evoluir, para todos, sem distinção,
50       para contemplar meios e recursos que eficazmente
           ponham fim às causas e consequências da infração 
           penal. A punição exemplar depois de solucionada a falta 
           cometida talvez seja um plus descartável. 
                     O avanço destruidor do “crack” na sociedade e,
55       principalmente, na célula familiar, pode ser citado, talvez,
           como o maior exemplo de quanto o juiz brasileiro é refém 
           de um sistema processual penal que, definitivamente,
           não funciona bem. A sentença final, inflexível e 
           indiferente ao sentimento das partes espera do juiz outra
60       coisa, mais simples, menos heroica.
                     Não se quer, aqui, abolir a pena privativa de 
           liberdade. Mas não se pode ter em mente a prisão como 
           primeira e imediata resolução para o crime. Não se pode
           inocular o mesmo antídoto para doenças diversas. Assim
65       como a aspirina não cura o canceroso, a quimioterapia
           não é indicada para a dor de dente. O Direito Penal não 
           pode, em cruel rol taxativo, estabelecer qual a melhor
           resposta para o crime praticado. Pode e deve, sim,
           estabelecer várias alternativas, rotas de auxílio, atalhos
70       para aplacar as consequências da infração e metas a
           serem alcançadas. Jamais ousar impor ao magistrado 
           que a primeira e a única opção, a mais reluzente aos
           seus olhos, deva ser o encarceramento do ser humano.
                    O Ministério Público e a Defensoria Pública 
75       seriam os fiscais do acerto da profilaxia judicial eleita no
           processo penal. O irresignado poderia se insurgir quanto
           à solução adotada pelo juiz em cada caso concreto. A
           opção pela prisão do agente deverá ser a ultima ratio. A
           prova dos nove do que diz aqui é muito simples. O que
80       são as prisões hoje no Brasil? Escolas do crime, às
           vezes com mestrado e doutorado.
                    A medicina psiquiátrica, a psicologia, a 
           assistência social, a pedagogia, entre outras tantas
           ciências complexas e salvíficas, despontam em nosso 
85       país, com excelentes e renomados profissionais. Temos
           que abrir as portas dos fóruns a essa gente dedicada e 
           qualificada, que muitas coisas nos têm a dizer e ensinar.
           Assim como o inadequado uso de um antibiótico pode 
           aniquilar seus efeitos para sempre, a prisão, como
90       resposta estatal para o crime, também pode, para 
           sempre, destruir um ser humano, por algo que muito
           bem poderia ser tratado e curado de outra forma mais
           simples e eficaz.
                     O legislador deve confiar no Poder Judiciário,
95       confiar na criatividade e experiência dos juízes e
           tribunais. Autorizar que esses agentes promovam a paz
           social por todas as formas possíveis, abrindo um leque
           infinito de opções para tanto. O rol de penas restritivas
           de direitos inibe a criatividade dos juízes, não se presta
100     para a infinidade de casos que se apresentam no dia a 
           dia, sem falar que são meramente substitutivas.
                     Enfim, esse é hoje o maior desafio que o Direito
           Penal deve enfrentar se quiser estar afinado com a 
           questão da dignidade da pessoa humana. Transformar a
105     sentença penal em instrumento efetivo e concreto de
           pacificação social, longe de paredões e cadafalsos.

 AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Direito Penal deve dar alternativas em vez de respostas. 

Disponível em: . Acesso em: 05 ago. 2012. (Adaptado.)

*O autor é defensor público no estado do Espírito Santo.

Questão:

Diferentes vozes ecoam no texto: a voz de Victor Hugo, escritor francês do século XIX, e a de Carlos Eduardo Rios do Amaral, Defensor Público do Estado do Espírito Santo. Temporalidades e temáticas aproximam-se para defender o posicionamento de que:

Resposta errada
a)

Privação da liberdade deve ser adotada em amplo espectro como medida profilática e penal.

Resposta correta
b)

As soluções refletidas devem ser adotadas para pacificar os conflitos e resgatar a dignidade humana.

Resposta errada
c)

As penas degradantes e os encarceramentos são medidas incontestáveis nas infrações penais, a ultima ratio.

Resposta errada
d)

O ser humano deve receber uma punição exemplar para pôr fim às causas e consequências da infração penal.

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