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Comentários / UERN - Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - Técnico de Nível Superior - CESPE - UnB - 2010 - Prova Objetiva


Este texto tem mil palavras

1                        Como você pode ver, uma garotinha está deitada displicentemente no colo de um senhor bem velhinho e bem simpático. Ela
                         parece um anjo. Loirinha, cabelo castanho claro, encaracolado, nariz e boca perfeitos, ar inteligente e sadio, uma dessas crianças que
                         a gente vê em anúncios. Pelo jeito, deve ter uns três ou quatro anos, não mais que isso. Ela está vestida em um desses macaquinhos
4                        de flanela, com florezinhas azuis e vermelhas e uma malha creme por baixo. Calçando um tênis transadíssimo nas discretas cores
                         amarelo, vermelho e azul, o que nos mostra que a mocinha não é apenas novinha, mas moderninha também. O velhinho tem um tipo
                         bem italiano. O boné cinza é típico desses senhores que a gente vê passeando pelo Bixiga nos domingos à tarde. Estatura mediana,
7                        cabelos e bigodes branquinhos, rosto e mãos enrugadas que traem uma idade bem avançada. Paletó marrom e calça cinza, ambos de
                         lã, malha creme, abotoada até o último botão, como faz todo senhor que se preze. Embaixo da malha, uma camisa azul, mas bem azul
                         mesmo, que destoa de todo o conjunto. O que prova que o cavalheiro e a mocinha apreciam cores fortes. Pela roupa que os dois estão
10                       vestindo e pela carinha rosada dela, deve estar fazendo muito frio. Fato que o ar enevoado e cinzento do jardim, que está atrás deles,
                         vem a comprovar. Os dois estão sentados em um balanço de madeira de cor verde, desses em que cabem apenas duas pessoas e que
                         são bastante comuns em quintais, varandas e jardins de casas de classe média, classe média alta. Ela está comodamente estirada. Com
13                       a cabeça entre o ombro e a barriga do velhinho e os pés apoiados numa almofada de crochê de cor creme. Nas mãos, ela traz um livro
                         de histórias cheio de desenhos coloridos. Livro esse que, olhando atentamente, você verá que se trata da história da Bela Adormecida.
                         O que, aliás, é muito engraçado, porque enquanto a bela conta a história da Bela Adormecida, o velho é que adormeceu. Ele dorme
16                       a sono solto. Com uma mão envolta na dela e a outra apoiada sobre sua própria perna direita, na altura do joelho, ambos, à sua
                         maneira, estão sonhando. Ele sonha dormindo, ela sonha acordada. A menina está divagando no colo do avô. Isso mesmo: do avô.
                         Porque o velho que você está vendo só pode ser o avô dela. Pela intimidade com que ela está comodamente instalada no colo dele,
19                       percebe-se que não pode ser visita, pessoa de cerimônia. E, sim, alguém bem chegado, alguém da família. Para um estranho, ouvir
                         essa história contada por uma criaturinha tão linda seria uma novidade excitante, que dificilmente o faria cair no sono. E, se não fosse
                         por isso, um estranho também não cairia no sono, pelo menos por dever de educação. Resistiria bravamente até a Bela Adormecida
22                       acordar. Além disso, é só olhar para a roupa caseira que ele está usando para perceber que não é alguém que foi fazer uma visita. É
                         pessoa da casa mesmo, pai não é. Ele é muito velhinho para ser o pai dela. E pouco provavelmente seria um tio. Tanto pela idade
                         quanto pela disponibilidade e paciência. Tio dá doces, presentes, mas ouvir histórias intermináveis, contadas por uma narradora que
25                       de vez em quando divaga, tio não faz. Só pode ser mesmo um avô ouvindo pela milésima vez a mesma história, que para ele deve ser
                         sempre igual e para ela deve ser sempre diferente. Ela, por sua vez, não se deve importar com que seu ouvinte durma. Afinal, ela só
                         quer colo e aquela mão terna, enrugada e querida em volta da sua cintura pequenina. Mesmo desatento, ele está dando a ela seu tempo
28                       e seu carinho sonolento. O balanço de jardim pode ser gostoso de sentar. Mas como você pode ver não é o local mais confortável para
                         se dormir. Principalmente em um dia frio como esse, em um descampado de uma varanda. Mas o fato é que ele não sente a dureza
                         do balanço porque dorme, e ela, igualmente, não sente a dureza da madeira e a frieza do tempo por vários motivos: primeiro, porque
31                       sonha, e no sonho não há desconforto ou frio. E, segundo, porque ela tem a barriga do avô como travesseiro, o braço dele como
                         edredom e uma almofada como encosto para seus pés e seu tênis multicolorido. Juntos os dois, ali na varanda, vivem um momento
                         de que ela vai se lembrar sempre e ele não vai se lembrar de nada. Até mesmo nada da história. Por isso, é que ela vai ter de contar
34                       e recontar essa história para o avô centenas de vezes. Principalmente para reviver os trechos que ele perdeu com seus cochilos. Assim
                         como você vai ter de ler e reler muitas vezes esse texto até conseguir enxergar toda a beleza e ternura contidas nessa cena. Ou pelo
                         menos uma pequena parte dela.

UMA FOTO SERIA MELHOR
19 de agosto - dia do fotógrafo

Este texto tem mil palavras. Folha de S.Paulo, 19/8/1988. Apud: Platão e Fiorin.

Para entender o texto. São Paulo: Ática, 1999, p. 378-80 (com adaptações).

Questão:

Assinale a opção correta no que se refere aos aspectos gramaticais do texto.

Resposta errada
a)

O trecho "O velhinho tem um tipo bem italiano. O boné cinza é típico desses senhores que a gente vê passeando pelo Bixiga nos domingos à tarde" (l.5-6) pode ser corretamente parafraseado da seguinte forma: O velhinho parece um senhor italiano, esses senhores cujo boné cinza a gente vê no Bixiga nos domingos à tarde.

Resposta errada
b)

No período "Pela roupa que os dois estão vestindo e pela carinha rosada dela, deve estar fazendo muito frio" (l.9-10), há uma relação de causa e efeito entre o trecho que aparece antes da vírgula e o que aparece depois da vírgula.

Resposta correta
c)

A locução verbal "vem a comprovar" (l.11) tem como sujeito "o ar enevoado e cinzento do jardim, que está atrás deles" (l.10).

Resposta errada
d)

A partícula "se" em "percebe-se" (l.19) é obrigatória no período, por ser o verbo perceber pronominal.

Resposta errada
e)

Em "Mesmo desatento" (l.27), a substituição de "Mesmo" por Ainda que preservaria a relação de sentido estabelecida entre esse trecho e a oração anterior, à qual ele se refere.

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