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Comentários / UFF - Universidade Federal Fluminense - Administrador - UFF - Universidade Federal Fluminense - 2009 - Prova Objetiva


Tempos de prazer

1   Entender a saúde como grau zero de mal-estar
     permitiu uma grande invenção do século XX,
     que foi a previdência social. Se a saúde é a não-doença,
     então sabemos exatamente do que cada
     qual necessita para curar-se. A sociedade, assim,
     se responsabiliza por tais tratamentos de saúde.
     Isso é moral e justificável. Aliás, é quase consenso
     que uma das maiores falhas dos Estados Unidos é
     não terem um sistema de saúde como o europeu e
     o canadense.
2   Contudo, com os avanços da medicina e a
     nova idéia de saúde surgem problemas. Antes de
     mais nada, até onde vai minha responsabilidade
     pela saúde dos outros? Se alguém adoece ou se
     fere por decisão própria, deve a sociedade arcar 
     com suas despesas? Não penso no caso da
     tentativa de suicídio, porque esta pode decorrer de
     um sofrimento psíquico tão intenso que justifica a
     sociedade tratar não só os danos físicos, mas a
     causa íntima deles. No entanto, no caso de quem
     fuma ou bebe, deve a sociedade custear as
     doenças que ele terá a mais do que o não-fumante
     ou o não-alcoólico? Ou deveriam essas pessoas,
     alertadas há anos dos custos que despejam sobre
     seus concidadãos, arcar com eles ou com um
     pagamento suplementar de seguro-saúde? É
     possível, hoje, estabelecer melhor que no passado
     o grau de responsabilidade de cada pessoa nas
     mazelas sociais. Vemos isso nos seguros de carro:
     os rapazes de 18 a 24 anos são os maiores
     causadores de acidentes, portanto quem está nessa
     faixa paga um prêmio maior. Todavia, se ao fim de
     um ano ou dois ele mostrar que não gerou custos
     para a seguradora, provavelmente começará a
     ganhar bônus. Esse modelo possivelmente se
     ampliará para a saúde.
3   O segundo problema está ligado à expansão
     da saúde para um a mais. Uma coisa é curar ou
     sarar, outra é dar vantagens - como o que se
     chama wellness - que as pessoas antes não
     tinham ou que não estão na previsão usual de
     nossa vida e de sua qualidade. Aqui, para além do
     valor altamente moral da saúde como não-doença,
     entram elementos que podem ser da ordem da
     vaidade, ou do gosto pelo próprio corpo, ou de certa
     felicidade. É difícil separar o que é vaidade, o que é
     felicidade, e talvez se esmerar em distingui-los
     indique apenas uma atitude moralista no pior
     sentido do termo. Mas cada vez mais pessoas hão
     de querer não apenas realizar cirurgias plásticas,
     como também ampliar seu tempo de vida
     sexualmente ativa, sua capacidade física e outras
     qualidades que, longe de nos reconduzirem à média
     zero do histórico humano, vão nos levar - permitam
     a citação de Toy Story - "para o infinito e além".
     Ora, se a "medicina da cura" tem custos diferentes
     conforme o perfil de saúde e doença dos pacientes,
     a "medicina do mais" tem custos diferentes
     conforme o que o indivíduo almeja. Naquele caso, o
     custo depende de onde se parte; neste, de aonde
     se quer chegar. Podemos modelar nosso corpo e
     nossa vida, mais que no passado. E quem paga por
     isso?
4   Aqui, a ideia de um custeio social - que na
     verdade é um rateio, porque como contribuintes
     pagamos aquilo que vamos desfrutar como
     cidadãos - fica mais difícil. Uma coisa é ratearmos
     o custo de operações de câncer, de tratamento de
     doenças caras. Outra é ratearmos o sonho de corpo
     de cada um. O rateio funciona quando o desejo se
     reduz ao de zerar a dor. Esse desejo baixo, mínimo
     ("só quero parar de sentir dor") admite que,
     moralmente, todos paguemos por ele. Entretanto,
     alguém de nós aceitaria ratear uma operação para
     alguém que quer ampliar o busto, aumentar o pênis
     ou simplesmente ter uma condição física superior à
     média? Não creio.
5   O melhor exemplo é o do Viagra. É
     perfeitamente legítimo um Estado de bem-estar
     social, como os europeus, fornecê-lo a idosos que
     sentem dificuldade em ter ou manter a ereção. Mas
     quantos comprimidos azuis por semana? Por que
     um e não dois, três, sete? Não há mais medida,
     porque nosso metro moral e previdenciário era o
     zero, a não-dor. O orgasmo não se encaixa nesse
     modelo. Por melhor que uma relação sexual seja
     para a saúde das pessoas, não sabemos qual
     número seria o adequado.
6   O caso do sexo tem um elemento irônico,
     ademais. Quase todos sabem como é forte, no
     desejo sexual, a transgressão. Daí a atração do
     fruto proibido. E como fica se o Estado me fornece
     os meios de ter relações sexuais? Não se
     burocratiza o imaginário em torno do sexo? "O sr. já
     recebeu seus comprimidos do mês. O próximo, por
     favor!" Talvez o Viagra só funcione de verdade se
     for comprado ou, como dizem os baianos sobre as
     fitas do Bonfim, se você o ganhar de alguém - ou
     roubar.

(RIBEIRO, R. Janine. "Tempos de prazer". In: PINTO, Graziela
Costa. Sexos, identidades e sentidos: a invenção da
sexualidade, v.1. São Paulo: Duetto Editorial, 2008.)

Questão:

A substituição de palavra ou construção sintática que altera fundamentalmente o sentido de: "Não penso no caso da tentativa de suicídio, porque esta pode decorrer de um sofrimento psíquico tão intenso que justifica a sociedade tratar não só os danos físicos, mas a causa íntima deles" (2.º parágrafo) encontra-se proposta em:

Resposta errada
a)

porque / haja vista que;

Resposta errada
b)

esta / semelhante tentativa;

Resposta correta
c)

decorrer de / determinar;

Resposta errada
d)

tão intenso que justifica a sociedade tratar / intenso a ponto de justificar que a sociedade trate;

Resposta errada
e)

não só os danos físicos, mas / os danos físicos e.

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